quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CAMPANHAS NO TRANSITO

Eles se consideram exímios no volante, não avançam semáforo, nunca correm, erram pouco na direção e atestam que se todos os motoristas de Londrina seguissem o exemplo deles o trânsito da cidade seria outro. Na vida real, dirigem sem cinto, falam ao celular, não sinalizam com seta, são multados com frequência e mostram que afirmar uma coisa e fazer o oposto não é exclusividade da classe política – e sim um hábito mais que corriqueiro do cidadão, sobretudo no trânsito. Também são firmes em dizer que campanhas de “conscientização” com a clássica entrega de panfletos aliados a anúncios de rádio, TV e jornal não são suficientes para mudar o comportamento de qualquer deles.

“Sou bom motorista sim”, responde logo Alessandro Gundhner, 36, técnico de informática. Vítima de atropelamento em que o condutor fugiu após derrubá-lo da moto, Alessandro se diz cuidadoso e mostra a marca da fratura na perna. Com alguma insistência da reportagem, no entanto, confessa nunca usar cinto no carro e que foi multado por falar ao celular no volante. “Às vezes deixo de usar mesmo o cinto. Mas é só para distância curta”, tenta justificar. Um panfleto no semáforo não mudaria a própria postura: “É mais fácil uma multa.”

A multa foi insuficiente para mudar a cabeça do torneiro- mecânico José Nilson Zanon, 42, desde os 18 no volante. Após declarar-se “motorista consciente” e criticar o trânsito de Londrina, também admite que o cinto ainda é tabu. “Só uso no fim de semana, quando minha filha está no carro comigo”. Um ano atrás, perdeu R$ 127 e 5 pontos na carteira por andar no centro sem o equipamento – e nada mudou. “Esquecimento mesmo. Não tem desculpa.”

O representante comercial Cláudio, após se dizer “um bom motorista”, não quis dar o sobrenome à reportagem – pois acabara de confirmar que nunca usa a seta para dobrar. “É que dirijo muito na estrada. Falta hábito”, pondera. Na primeira resposta, avaliou-se como “sensato no volante”. Já o jardineiro Marcos Antônio, 45, jura que tirou o cinto apenas “por um instante”. Sobre as campanhas, afirma que “tem muita propaganda por aí”. “Tem tanta que nem sei se o pessoal presta atenção em anúncio da tevê. Acho que sim”, titubeia.

Encabeçada pelo Núcleo de Mobilidade Urbana, a campanha ‘Trânsito Legal’ ganhou as ruas em abril – mas a evolução dos números de mortos, vítimas e acidentes na cidade impõe a necessidade de um choque de comportamento no motorista londrinense. O Núcleo agrega órgãos do poder público – como a Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU), gestora do setor, Companhia de Trânsito da PM (Ciatran), Ministério Público – e da iniciativa privada, como a Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil), entre vários.

“Campanhas de trânsito não podem ser frias e convencionais. Devem manter a cidade alerta e o assunto sempre quente”, define Luís Miúra, o psicólogo de trânsito que revolucionou a abordagem de motoristas e pedestres em Brasília quando, uma década atrás, inaugurou o respeito à faixa na capital federal. “Panfletos somados com campanhas na mídia são formas convencionais. É o mínimo esperado para uma campanha. Mas o problema é tão grave que sempre se tornar necessário mais e mais criatividade”, opina o especialista, responsável por um choque no trânsito de Maringá seis anos atrás, quando foi convidado para a diretoria de transportes da Prefeitura.

Em uma das tentativas de manter o assunto “quente”, Miúra foi flagrado por jornais locais atravessando a rua sobre o capô de um carro parado em cima da faixa. “Claro que não aconselho, mas quem cuida do trânsito tem que ser firme para a sociedade. A ação funcionou e repercutiu muito, com certeza”, lembra.

Panfletos

Até agora, o Núcleo de Mobilidade distribuiu quase 100 mil panfletos, fez palestras para 8 mil crianças em escolas e insiste que meios de comunicação divulguem anúncios gratuitos em rádios, tevês e jornais da cidade. Em curso, o Núcleo vai distribuir mais 50 mil cartilhas nas escolas públicas e DVDs com vídeos da campanha, além de realizar um concurso com escolas para estimular boas práticas e a veiculação de 40 anúncios nos vidros traseiros do transporte coletivo. Em meio aos esforços voluntários do grupo, a evolução dos dados negativos é tida com certa normalidade diante da impressão – questionável, segundo Miúra - de que mudar o comportamento do motorista leva um longo tempo. “Depende do que se faz”.

“O processo de mudança é lento e de persistência. Assim mesmo”, define o presidente da Acil, Nivaldo Benvenho, um dos membros do Núcleo. Sobre panfletos e anúncios, o presidente da Acil diz que a forma de abordagem “foi definida no planejamento estratégico” do grupo e que ainda não sabe como avaliar os efeitos das ações. Londrina fechou o primeiro semestre com 44 mortes nas ruas ante 21 mortes no mesmo período em 2010. Somente na semana passada, três motociclistas morreram em acidentes – e o trânsito motorizado sobre duas rodas já soma 19 mortes no ano.

“A educação é um processo que não tem fim, mas precisamos intensificar as fiscalizações”, posiciona-se o promotor Paulo Tavares, também no Núcleo. Wilson de Jesus, diretor de trânsito da CMTU, afirma que, de fato, os números “são chocantes”: “Mas trabalhamos na insistência. Imagina como me sinto ao abrir o jornal e ver mais mortes acontecendo todo dia”. Questionado se a CMTU consegue fazer uma autocrítica quanto à gestão do trânsito na cidade, Jesus sugere que “a violência no setor é uma epidemia nacional, não só em Londrina”.

"Mídia não aderiu"

Para o capitão Mario Celso Andrade, a campanha Trânsito Legal só vai “pegar” quando “a mídia divulgar os anúncios e as ações”. Segundo ele, a cobertura da imprensa ficou prejudicada pelos problemas políticos na Prefeitura: “Há mais de um mês a imprensa de Londrina está de plantão na porta do Ministério Público e do Gaeco. O momento é complicado”, afirma. “Independente disso, fizemos o nosso trabalho”, acredita. “Talvez com a mídia voltando a divulgar, os motoristas prestem mais atenção”. O capitão não vê formas diferentes de promover a educação no trânsito além das ações implantadas pelo Núcleo de Mobilidade, com palestra em escolas, panfletagem nas ruas e inserção de mídia: “São os meios que temos. Uma hora chegamos lá porque temos limitações. Com a mídia, tudo pode mudar.”

Fonte: JL

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