Há um bom par de anos, senhora amiga me contou uma atitude do filho, que a deixou edificada. A família desfrutava de situação financeira, senão abastada, ao menos superior à da maioria dos moradores da cidade.
O garoto estava por fazer anos naqueles dias. Quantos não sei. Calculo que uns dez ou algo perto disso. Assistindo à movimentação dos preparativos, o pequeno comunicou à mãe: “O aniversário é meu, então quero escolher os amigos para vir à minha festa”.
Ela achou razoável e concordou que ele fizesse os convites. Para depois verificar, com surpresa, que a parte maior dos amiguinhos reunidos em casa compunha um grupo de meninos pobres, trajados com roupa limpa, mas modesta, e nenhum trazia presente. Alheio a tais minudências, o aniversariante era um sorriso só. Vibrava no meio da turma com quem, todos os dias, costumava repartir a ventura de ser criança. Sem a presença deles não teria sentido fazer festa de aniversário.
Lembrei o episódio quando li o evangelho da segunda-feira retrasada (Lc 9,46-50). Aos discípulos que discutiam sobre qual deles seria o maior, o Senhor apontou uma criança. Não para que dela assumissem a imaturidade, evidentemente. Nem para recomendar que adultos revestissem ingenuidade ou infantilismo de qualquer tipo. Da criança ele quis acentuar a pureza interior desprovida dos refolhos da hipocrisia.
Difícil aceitar a postura naturalista de Rousseau, para quem o ser humano, pela natureza, nasce bom, enquanto a sociedade o corrompe. A sociedade, ao fim e ao cabo, se compõe de quê ou de quem? Não é dos mesmos seres humanos, que supostamente teriam nascido bons?
De onde viria, então, a condenável perversão social? Até pelas comprovadas lições da História, parece mais plausível admitir, com a fé cristã, que todos vimos ao mundo feridos por um desvio de origem, a que denominamos pecado. Por isso, tendemos para o erro com facilidade maior do que para o bem.
O que, absolutamente, não destroi nossa vocação para o Bem, para a Beleza e para a Verdade. Ainda que muitos recusem admitir, cada pessoa carrega, em sua natureza sempre passível de pecado, o DNA divino, marca de sua origem e de seu destino último.
Crianças costumam dar lições aos marmanjos egoístas e injustos em que, ao longo da vida, nos transformamos. Detenha-se alguém a observá-las brincando juntas. Não registram a menor distinção entre meninos e meninas. Pouco lhes importa que uma seja loirinha; a outra, negrinha; uma terceira, de olhinhos puxados. Não querem saber se a roupa que vestem provém de loja de grife ou de bazar beneficente. Nem reparam se esta mora num barraco de tábuas de caixote, enquanto aquela vive em mansão de condomínio elegante. Tais diferenças quem estabelece, na verdade, são os adultos. Com base em quê?
Em critérios por nós escolhidos para classificar pessoas. Para metê-las em gavetas, às quais colamos rótulos inventados por nosso orgulho, ambição e preconceito. Só adultos estabelecem invencíveis diferenças entre os próprios semelhantes.
Criança é incapaz dessa tolice. Nunca vai falar para um coleguinha: “Você sabe com quem está falando?”. Ainda não acumulou malícia nem estupidez bastante para empáfia desse calibre. Nada conhece das injustas diferenças entre os homens.
Nós, adultos, é que ensinamos às crianças a brutalidade da vida.
Orivaldo Robles
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